quinta-feira, 24 de março de 2016



À parte de toda a romantização e da ideia de uma felicidade plena acerca da maternidade, deixo-me viver livre e naturalmente esse momento singular em minha vida de quase 40 anos. Certamente o fato de completar tal idade no mesmo ano em que serei mãe modifica muito os estereótipos construídos sociedade afora até mesmo dentro de uma cabeça avessa a tais construções como a minha. Uma nova palavra que se incorporou ao meu vocabulário nos últimos anos, empoderamento, cai como uma luva para expressar o sentimento de chegar a uma idade tão simbólica enquanto se passa por uma gestação primogênita. 

Comecei a reavaliar meus velhos conceitos, todos postos na mesa, ao me deparar com a curiosidade que crescia enquanto eu conhecia cientificamente o que era gerar e nutrir uma vida, como o corpo humano se preparava e mudava, e como a natureza é perfeita. O encantamento se misturou ao auto-questionamento, e eu passei a refletir sobre o fato de que somos todos passíveis de modulações externas que nos chegam de vários lados de nossa vida como a família, a comunidade, a cultura, o momento histórico em que vivemos. Com uma educação diferenciada entre irmãos homens e sob o eterno desejo alheio de ver em mim atitudes de uma “moça”, a criação que tive saiu pela culatra, como se diz. Os brios de uma menina de personalidade forte, diante de tanta pressão, explodiram em nãos para comportamentos pré-planejados para ela. Esses pensamentos me fizeram questionar todo um comportamento ao longo dos anos, o que deu brecha finalmente para me abrir à dúvida sobre a maternidade em minha vida, algo impensável até pouco tempo atrás. Meu amor, tão companheiro e cúmplice, foi essencial para essa inesperada revira volta.

Eis que, depois de tanto pensar, ponderar, dialogar, o passo foi dado com a certeza de quem deseja molhar os pés em um mar cuja maré está subindo, mas não se sabe exatamente até onde a água vai molhar, tampouco se conhece sua força. A certeza de se permitir incertezas, pois gerar uma vida é perder o controle que imaginamos ter sobre a própria vida, a começar pelo eterno elo que está surgindo - entre você e um novo pequeno ser. 

Têm sido meses curiosos, uma doce e apavorante mistura de medo, ansiedade e aprendizado. Observar, sentir e aceitar as mudanças pelas quais meu corpo tem passado é de uma riqueza de auto-conhecimento sem tamanho. Desapegada com a eterna auto-cobrança de um corpo magro, delicio-me com as novas formas, pois sei que cada uma delas tem uma função e uma razão de ser. Meu corpo já não pertence somente a mim. Agora ele tem um objetivo maior, no sentido primitivo de sobrevivência, de perpetuar a espécie, de gerar, proteger e nutrir a cria. Estar ciente do meu lado animal alimenta o meu lado humano, “demasiadamente humano”. Como a dor e o amor alimentam o poeta. 

            E tudo tem ido, tem corrido, a passos de guepardo. Parto, aos 40, rumo a uma nova fase da vida.

terça-feira, 22 de março de 2016



Hoje eu acordei no meio da noite mais uma vez. Isso tem sido recorrente. Acordo com a bexiga cheia ou com um vazio no estômago, o que me faz desistir da cama aconchegante e atender aos apelos do corpo. Ainda demoro uns 5 segundos para lembrar de que agora meu corpo tem uma função diferente de tudo o que já teve até hoje. E vejo que já o atendo com mais complacência. 

Já deitada no sofá, naquele silêncio de madrugada interrompido pelos ruídos da TV ligada, senti meu ventre com as mãos como de costume nesses últimos dias e me peguei surpresa diante de uma nova concepção do que estava acontecendo em minha vida. Uma nova vida estava por vir e eu seria sua porta-voz daqueles momentos antecessores, de tudo aquilo que ela não viu, não presenciou, momentos que antecederam sua chegada, que embalaram meus dias enquanto ela se desenvolvia em mim. 

Então eu chorei. Eu me lembrei de todas as histórias que minha mãe me contava e ainda me conta, momentos dos quais não fiz parte, mas que fizeram parte da vida dela, aquela que me deu a vida, que me concebeu. Eu nunca havia parado para pensar no quanto isso era fantástico. Eu nem existia de fato, mas a ideia do que eu seria já estava ali, mesmo antes de meu coração bater pela primeira vez naquele primeiro emaranhado de células. 

Você já existia em mim há muito tempo. Você esteve em cada pensamento que eu tive sobre a vida, a humanidade, a educação, a esperança ou a falta dela, as dores de uma mãe, em cada resposta genial que eu ouvia de uma criança, conhecida ou não. Você estava naquele breve pensamento bobo quando eu olhava para o seu pai e me perguntava como seria linda uma criança concebida com aquele homem de sorriso bonito. Eu nem queria ser mãe, e você já existia em mim. E eu nem fazia ideia disso.

Você já é uma revolução em minha vida.

26/12/15

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015



Muito se falou em 2015 como um ano ruim, de catástrofes, muitas perdas, muitas mortes, “já vai tarde, 2015”, “tá bom de acabar”, etc. Não sou mulher de indiretas, falo de um contexto geral. Entretanto, não concordo com ele. Infelizmente, meus amigos, coisas ruins acontecem independente de uma mera troca de calendário. Quem me dera pudesse trocar a cabeça de alguns, atitude de outros, o coração de pedra de tantos. 

A única certeza de que temos na vida é que um dia ela chega ao fim. Eu gostaria muito que ela não fosse interrompida pela violência provocada pelo preconceito, pelo machismo, pela ignorância e cegueira das guerras, pela intolerância, por motoristas inconsequentes, por gente com “o rei na barriga”, por acidentes estúpidos, por grandes catástrofes frutos da mão do homem ou da natureza em resposta ao nosso excesso de ganância. Eu gostaria muito também que vidas não fossem interrompidas por não cuidarmos bem do nosso verdadeiro e único templo: nosso corpo. Cuidamos melhor de nossas máquinas – carro, televisão, celular, computador e a parafernália toda – do que do nosso motor supremo, o coração. A gente se vai, elas ficam.

Muito acontece de ruim no mundo. Eu fico triste, indignada, eu bato o pé, eu xingo, eu desabafo por horas com meu amor, eu choro. Só ele sabe. Ele me fala para eu não ficar assim, para não me envolver tanto. Ele me abraça. 

É preciso saber sorrir para começar ou seguir fazendo a própria parte. Não existe um todo sem as partes, afinal. É bom lembrar que outros tantos eventos acontecem para a alegria de muitos. Em um minuto, posso me lembrar de um punhado deles. Três amigas ficaram grávidas, duas tiveram filhos; finalmente tivemos nossa viagem de lua de mel, voltei a um país que foi um divisor de águas em minha vida com meu amor; vi o Ricardo Darín ao vivo e a cores em uma peça; revi amigos de outros estados; vi concertos inesquecíveis e vi a alegria e o entusiasmo de amigos em todos os outros que não pude ir; consegui meu diploma em Nutrição e passei a atender no consultório; iniciei uma pós-graduação; brinquei com meu sobrinho e presenciei sua alegria contagiante vendo uma festa toda dedicada a ele; brindei com amigos; dancei, cantei e toquei com meu amor; amigos me fizeram uma verdadeira surpresa uma semana depois do meu aniversário; saí e conversei mais vezes com meus pais; nadei, corri e peguei peso; bebi vinho tinto aqui e acolá; quebrei uma taça sem querer e não me senti culpada por isso; abracei meus amigos; abracei meus irmãos; ri várias vezes descontroladamente até chorar e sentir dor na barriga; emocionei-me com filmes, músicas, livros e obras de arte (sim, a arte salva!); emocionei-me com a emoção alheia; tive aulas incríveis; estudei; adormeci no colo do meu amor. E amei.

Eu também descobri que estava grávida. Emocionei-me com as ultrassonografias de mãos dadas com meu amor, com as lágrimas de minha mãe e com os sorrisos e abraços de todos aqueles que me amam do jeito que eu sou e de todos os jeitos que eu já fui e continuarei sendo. Lua adversa, alguém se lembra? ;)

Celebremos a vida - sem desmerecer a dor nem a alegria do outro. Mas meu desejo é que o sorriso persista. Cheio de saúde.


Nós nunca sabemos o que nos espera. A despeito de nossos planos, cronogramas, agendas, a vida corre vibrante a saltos de guepardo. Mas eu não me desespero ao olhar para trás vez ou outra. Ao contrário, diverte-me observar as mudanças. Sorrio. Tolo é aquele que se fecha a elas, pois é preciso dar-se o direito de mudar seu próprio mundo o quanto for preciso, o quanto lhe for benéfico para estar em paz consigo mesmo. E o mundo...ah, o "mundo" que se foda um pouco, para variar. Respeite-o e exija respeito. Caso contrário, mude de vizinhança, porque você só tem satisfação a dar a si mesmo.

É isso. A gravidez me deixou mais doce, mas sem perder a brutalidade jamais. Às vezes é preciso. É saudável e faz bem à pele.