À
parte de toda a romantização e da ideia de uma felicidade plena acerca da
maternidade, deixo-me viver livre e naturalmente esse momento singular em minha
vida de quase 40 anos. Certamente o fato de completar tal idade no mesmo ano em
que serei mãe modifica muito os estereótipos construídos sociedade afora até
mesmo dentro de uma cabeça avessa a tais construções como a minha. Uma nova
palavra que se incorporou ao meu vocabulário nos últimos anos, empoderamento,
cai como uma luva para expressar o sentimento de chegar a uma idade tão simbólica
enquanto se passa por uma gestação primogênita.
Comecei
a reavaliar meus velhos conceitos, todos postos na mesa, ao me deparar com a
curiosidade que crescia enquanto eu conhecia cientificamente o que era gerar e
nutrir uma vida, como o corpo humano se preparava e mudava, e como a natureza é
perfeita. O encantamento se misturou ao auto-questionamento, e eu passei a refletir
sobre o fato de que somos todos passíveis de modulações externas que nos chegam
de vários lados de nossa vida como a família, a comunidade, a cultura, o
momento histórico em que vivemos. Com uma educação diferenciada entre irmãos
homens e sob o eterno desejo alheio de ver em mim atitudes de uma “moça”, a
criação que tive saiu pela culatra, como se diz. Os brios de uma menina de
personalidade forte, diante de tanta pressão, explodiram em nãos para
comportamentos pré-planejados para ela. Esses pensamentos me fizeram questionar
todo um comportamento ao longo dos anos, o que deu brecha finalmente para me
abrir à dúvida sobre a maternidade em minha vida, algo impensável até pouco
tempo atrás. Meu amor, tão companheiro e cúmplice, foi essencial para essa
inesperada revira volta.
Eis
que, depois de tanto pensar, ponderar, dialogar, o passo foi dado com a certeza
de quem deseja molhar os pés em um mar cuja maré está subindo, mas não se sabe
exatamente até onde a água vai molhar, tampouco se conhece sua força. A certeza
de se permitir incertezas, pois gerar uma vida é perder o controle que
imaginamos ter sobre a própria vida, a começar pelo eterno elo que está
surgindo - entre você e um novo pequeno ser.
Têm
sido meses curiosos, uma doce e apavorante mistura de medo, ansiedade e
aprendizado. Observar, sentir e aceitar as mudanças pelas quais meu corpo tem
passado é de uma riqueza de auto-conhecimento sem tamanho. Desapegada com a
eterna auto-cobrança de um corpo magro, delicio-me com as novas formas, pois
sei que cada uma delas tem uma função e uma razão de ser. Meu corpo já não
pertence somente a mim. Agora ele tem um objetivo maior, no sentido primitivo
de sobrevivência, de perpetuar a espécie, de gerar, proteger e nutrir a cria.
Estar ciente do meu lado animal alimenta o meu lado humano, “demasiadamente
humano”. Como a dor e o amor alimentam o poeta.
E tudo
tem ido, tem corrido, a passos de guepardo. Parto, aos 40, rumo a uma nova fase
da vida.